Ambiente no Mundo

ESTRAGO DA NAÇÃO

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Água

Cerca de um terço da população mundial vive em países que sofrem de moderada a elevada carência de água, estimando-se que, dentro de menos de 25 anos, 75% da população humana terá dificuldades em dispôr de recursos hídricos para as suas actividades. A ideia da água como recurso infinito perdeu-se, definitivamente, nos últimos anos. Embora se estime que a água do planeta atinja os 1,386 mil milhões de quilómetros quadrados – o que daria para encher uma piscina com a área de Portugal com uma profundidade de cerca de 16 mil quilómetros –, apenas 2,5% é água doce e desta pequena parte só cerca de um terço está potencialmente disponível para utilização humana.
Com a triplicação da população mundial nos últimos 70 anos, o consumo de água sextuplicou. Apesar dos consumos per capita estarem agora estabilizados, certo é que ao ritmo de crescimento de habitantes, a água será um dos principais factores limitativos do desenvolvimento. Estima-se que actualmente está-se a utilizar 54% da água doce disponível. Caso o consumo por habitante se mantenha constante, em 2025 a população humana estará a usar 70% dos recursos hídricos apenas devido ao crescimento populacional. E se os consumos em todo o Mundo fossem idênticos aqueles que se registam nos países desenvolvidos, então consumir-se-ia 90%.

Segundo as Nações Unidas, no ano 2000, em 31 países onde viviam quase 510 milhões de pessoas eram afectadas por intenso stress hídrico ou grave escassez de água. E em 2025 esse número elevar-se-á para os 3 mil milhões. Segundo um relatório do World Vision – uma organização mundial presidida por um vice-presidente do Banco Mundial –, apenas com um esforço redobrado na eficiência de uso da água, melhoria das condições de saneamento básico, sobretudo nos países subdesenvolvidos, e apoios internacionais, a situação global não piorará. Segundo estimativas desta organização entre o ano 2000 e 2025, devido ao aumento da população e à exaustão de recursos hídricos, a disponibilidade média anual de água per capita deverá descer de 6600 para apenas 4800 metros cúbicos, ou seja, uma redução de 28%. A situação será particularmente grave para os países subdesenvolvidos. Estima-se que cerca de 3 mil milhões de pessoas vivam, em 2025, com menos de 1700 metros cúbicos de água por ano, considerado o volume mínimo de sobrevivência. E para o quadro não ser mais negro será fundamental um reforço nos investimentos da ordem dos 180 mil milhões de dólares por ano, sendo que a “parte de leão” se deve destinar para o fornecimento de água e melhoria das condições sanitárias.

A água é fonte de vida, mas também pode ser de morte. Actualmente, apenas cerca de 1,5 mil milhões de habitantes do planeta possui condições sanitárias mínimas – um número que não tem sofrido grandes alterações desde há uma década. Ao invés, a população mundial sem acesso a serviços básicos de água e esgotos aumentou de 2,6 mil milhões de pessoas, em 1990, para quase 3,3 mil milhões, no ano 2000. Por exemplo, em África apenas 60% da população tem acesso a água potável e 60% a algum tipo de saneamento básico, mas em muitos casos em péssimas condições. As zonas rurais são mais carenciadas – 29% da população não têm água salubre – do que as zonas urbanas, onde essas deficiências atingem 15% dos habitantes. Essa situação é agravada pela poluição dos rios, albufeiras e águas subterrâneas por esgotos urbanos, que sobretudo nos países subdesenvolvidos constitui um elevado perigo para a saúde pública e a biodiversidade.

Devido a essas carências, por ano morrem cerca de 3,3 milhões de pessoas devido a diarreias, das quais 1,5 mil milhões são crianças com menos de 5 anos. A cólera e a febre tifóide infectam cerca de um milhão de pessoas por ano, provocando cerca de 45 mil mortes. Outras infecções de origem aquáticas afectam, todos os anos, quase mil milhões de pessoas, provocando inúmeras mortes ou mazelas para a sua vida. Acresce a tudo isto, as contaminações por indústrias poluentes que lançam metais pesados e outros tóxicos para os rios, tornado a água um autêntico veneno. Não é, por acaso, que em grande parte dos países do Terceiro Mundo a esperança de vida à nascença não atinge os 50 anos. Nos países mais desenvolvidos, se bem que o saneamento básico esteja quase concluído e os tratamento de água para consumo sejam bastante sofisticados, subsistem alguns problemas, o maior dos quais a proliferação de algas tóxicas devido ao excesso de azoto e fósforo provenientes da agricultura.

Face a estas situações, a água potável torna-se um bem precioso e extremamente caro. Tanto mais caro quanto mais raros são os recursos hídricos ou mais pobres os habitantes. Por exemplo, na capital do Haiti, Port-au-Prince, as residências que possuem água canalizada pagam cerca de 1,1 euros por metro cúbico. Um valor que já é muito mais elevado que nos Estados Unidos, cujos habitantes possuem um poder de compra muitíssimo mais elevado. Mas pior estão os haitianos que não têm água canalizada: têm que a comprar a vendedores, pagando um valor que chega a ser quase 20 vezes superior.

Para agravar a situação, são os países subdesenvolvidos os mais afectados por catástrofes naturais associados à água, quer por secas, quer por inundações. Entre 1988 e 1997 foram contabilizadas cerca de 1800 grandes inundações que provocaram 225 mil mortos – 139 mil das quais em cheias ocorridas no Bangladesh em 1991 – e perdas económicas da ordem dos 230 mil milhões de dólares. As cheias chegaram a ser mais mortíferas e a provocar mais prejuízos que os terramotos.

Face ao aumento populacional das últimas décadas, com especial ênfase nos países subdesenvolvidos, as áreas de regadio – que fornecem 40% da alimentação mundial – têm vindo a aumentar de um forma impressionante, sendo responsáveis por cerca de 70% dos consumos mundiais de água. Entre 1960 e o ano 2000, a área irrigada em todo o Mundo aumentou mais de 100 milhões de hectares, representando um crescimento superior a 80%. Para este aumento brutal muito contribuíram os países asiáticos – sobretudo China, Paquistão e Índia – que praticamente duplicaram as áreas de regadio. As águas subterrâneas têm sido as mais sacrificadas. Na China, para irrigar cerca de 9 milhões de hectares foram executados mais de dois milhões de furos e várias dezenas de barragens.

Para aumentar a oferta de recursos hídricos disponíveis, as barragens começaram a ser construídas a um ritmo impressionante nas últimas décadas. No final de 1998 estavam registas na Comissão Internacional de Grandes Barragens, quase 45 mil barragens com mais de 15 metros de altura, das quais cerca de 90% construídas desde 1950. Nos últimos anos, em todo o Mundo, são inauguradas cerca de 300 novas barragens. Por exemplo, no Japão, dos cerca de 30 mil rios, apenas dois não possuem barragens ou quaisquer obras de regularização fluvial. Alguns dos maiores rios do Mundo são tão explorados que, por vezes, nem sequer desaguam no mar. Por exemplo, os rios Amu Darya e Suyr Darya – dois dos maiores da Ásia Central – chegam a estar secos devido aos consumos de água para o cultivo de algodão. O rio Amarelo, na China, esteve em 1997 sem água durante mais de 220 dias.

Mas os consumos de água para a indústria e consumo humano também têm crescido. Desde 1950, as necessidades mundiais de água potável – ou seja, exigindo um tratamento prévio – mais que duplicaram, enquanto os consumos para a indústria praticamente quadruplicaram. Face aos problemas de contaminação, os origens de água susceptíveis de serem consumidas nas residências estão cada vez mais longínquas e necessitam de tratamentos, por vezes, bastante avultados, mesmo para os países mais desenvolvidos.

Face à pressão sobre os recursos hídricos – quer pelo seu consumo, quer devido à contaminação –, os ecossistemas estão cada vez mais depauperados. Actualmente, cerca de 20% dos peixes mundiais estão em situação vulnerável ou em perigo de extinção, por causa de alterações do seu habitat ou devido à poluição hídrica. Uma situação que, aliás, ocorre também, com particular gravidade, em Portugal. Por outro lado, quase metade das áreas húmidas a nível mundial foram destruídas no último século e cerca de 25 milhões de quilómetros de ecossistemas ribeirinhos desapareceram após a construção de barragens.

A água também tem sido foco de conflitos, sendo mesmo usado para fins bélicos. Em parte, esses conflitos devem-se à partilha dos recursos hídricos pelos diferentes países. Na Europa existem 71 bacias hidrográficas compartilhadas por dois ou mais países, 60 na África, 53 na Ásia, 38 na América do Norte e Central e 38 na América do Sul. Se na maioria dos casos, a partilha se faz com regras de comum acordo, noutros as disputas chegam aos extremos. Durante as décadas de 80 e 90 do último século, verificaram-se mais de duas dezenas de actos de guerra, terrorismo ou pressão política envolvendo água. A disputa sobre a gestão do Nilo é um dos casos mais dramáticos. A Etiópia, onde nasce um dos afluentes mais importantes do Nilo, possui, desde os finais dos anos 70, projectos para a construção de barragens que trariam uma diminuição significativa do caudal no Egipto. Em 1979, o então primeiro ministro egípcio Anwar Sadat avisava que “a única razão que levará o Egipto para uma nova guerra será a água”. Afirmação que seria repetida, noutros moldes, em 1988, por Boutros-Ghali – que entretanto foi secretário-geral das Nações Unidas – ao salientar que “a próxima guerra na nossa região não será por razões políticas, mas sim por causa das águas do Nilo”.
Durante a guerra Irão-Iraque, na década de 80, a água foi utilizada como uma arma bélica. Em 1981, o Irão bombardeou uma barragem hidroeléctrica no Curdistão para afectar as posições militares iraquianas. Situação que se veria a repetir, noutros locais, durante este conflito que durou oito anos. Em 1982, Israel cortou o fornecimento de água a Beirute durante o cerco à capital do Líbano.

Embora não se tenham concretizado as ameaças, alguns outros Governos têm visto na gestão da água uma forma de colocar uma espécie de “espada de Damocles” sobre as cabeças dos seus rivais. Em 1986, a Coreia do Norte anunciou a construção de uma mega-barragem no rio Han, a montante da cidade sul-coreana de Seul. Em 1990, a Turquia anunciou um grande projecto de expansão de regadio na Anatolia. Durante cerca de um mês, o caudal do rio Eufrates foi interrompido, apesar dos fortes protestos da Siria e do Iraque. Parte deste projecto está em curso e em meados dos anos 90, o presidente turco Turgut Ozal restringiu o caudal do rio para a Siria enquanto os rebeldes do Curdistão se mantivessem activos a sul da Turquia. Ainda naquela década existem informações de que Saddam Husseim terá mandado envenenar água potável numa zona habitada por opositores ao seu regime.

Na Guerra do Golfo, em 1991, a água foi também usada como arma por ambas as partes beligerantes. O Iraque destruiu várias unidades de dessalinização do Koweit, enquanto as forças aliadas diminuiram o caudal do Eufrates a partir da Turquia e bombardearam o sistema de saneamento básico de Bagdad.
Nas Balcãs, os anos 90 foram também dramáticos com vários ataques aéreos ou terrestres a barragens e sistema de abastecimento de água potável.

No entanto, a mais devastadora acção bélica ocorreu em 1938, durante o conflito entre o Japão e a China. O líder chinês Chiang Kai-shek ordenou a destruição dos diques de Huayuankou, então ocupadas pelas forças japonesas. A água inundou uma área estimada entre 3000 e 50 mil quilómetros quadrados. E além de eliminar as forças japonesas, a onda de cheia poderá ter morto cerca de um milhão de pessoas.


Água - situação em Portugal

A década de 70 encontra Portugal ainda com um significativo atraso nos sectores do saneamento básico. Em 1976, apenas metade da população portuguesa possuía água canalizada, um terço tinha rede de drenagem pública de esgotos e em relação ao seu tratamento praticamente era inexistente. Apenas a partir da entrada de Portugal na União Europeia, o saneamento básico registou uma melhoria significativa, embora ainda aquém dos desempenhos dos parceiros comunitários. No caso do abastecimento de água, actualmente cerca de 10% da população ainda não está servida de sistemas públicos e no caso do tratamento de esgotos pocuo mais de metade (55%) dos portugueses usufrui deste serviço. Apesar de tudo, as deficiências no sector do saneamento básico ainda se mantêm em níveis sofríveis. Sobretudo no interior do país, a água de consumo humano é de má qualidade – com fortes contaminações por coliformes – e grande parte das ETAR funciona com grandes problemas.

Com efeito, apenas cerca de 42% das águas residuais urbanas são tratadas antes da descarga nos rios e mares. Mas mesmo as estações de tratamento (ETAR) em funcionamento deixam muito a desejar. O Instituto da Água estima que a taxa de redução de poluentes orgânicos é de apenas 30%, variando em termos regionais de um máximo de 62%, no Algarve, a um mínimo de 7% na bacia do rio Lima. No caso dos outros poluentes, como o fósforo e o azoto, as taxas de remoção ainda são mais baixas, sendo de apenas 2% e 4%, respectivamente.

No sector industrial, o cenário ainda é mais negro. Num inventário feito no âmbito do Plano Nacional da Água apurou-se que em 4731 unidades industriais inventariadas, 58% faziam descargas de esgotos para os rios e mar sem qualquer tratamento. Os casos mais graves ocorrem na região Norte. Nas bacias do Cávado, Ave e Leça, mais de 90% das indústrias não fazem qualquer depuração dos seus esgotos. Mesmo na bacia do Tejo, que é onde se registam melhores índices, uma em cada três indústrias não trata os seus esgotos. De entre os sectores mais desrespeitadores estão as indústrias alimentares e de bebidas, as metalúrgias e metalomecânicas, as indústrias de fabricação de máquinas e equipamentos e os têxteis.

Apesar de Portugal ser, no contexto europeu, um país com recursos hídricos significativos, a evolução nos consumos veio trazer uma pressão que, em alguns casos, resultou em escassez. Na última década a água para consumo público duplicou, mas continua a ser a agricultura o maior utilizador – e por vezes, esbanjador. Com efeito, se em 1991, a agricultura constituia 59% do total dos consumos, em 1998 subiu para 78%, com um incremento da ordem dos 3,7 mil milhões de metros cúbicos. Além disso, a agricultura é um dos principais factores de contaminação das águas subterrâneas. Vastas áreas do litoral norte e centro, Alentejo interior e lezíria do Tejo apresentam problemas de contaminação por nitratos, a que acresce a salinização de aquíferos, em especial no Algarve.

De acordo com a classificação do Instituto da Água, no ano 2000 nenhum dos troços de rios nacionais monitorizados apresentavam ausência de poluição (classe A). E só 18 troços estão fracamente poluídos (classe B). Ao invés, 18 troços apresentavam situações de extrema poluição (classe E), sobretudo nas ribeiras do Oeste e em rios do Alentejo. Em termos gerais, 70% dos troços fluviais estão com fortes problemas de poluição (classes C, D e E).

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]



<< Página inicial