Apesar do solo terrestre ser finito, a população humana não tem parado de crescer e exercido uma maior pressão nos terrenos potencialmente aráveis para aumentar as produções agrícolas, aumentando assim a sua degradação. Com a maior parte do aumento demográfico da ordem dos 2,2 mil milhões de habitantes nas últimas três décadas a concentrar-se na Ásia e Pacífico, tem sido este o continente que se tem salientado à escala mundial em relação à degradação dos solos.
A área arável nesta região aumentou de uns impressionantes 500 milhões de hectares em 1972 para cerca de 570 milhões em 1998. Isto quando a generalidade das outras regiões mundiais registaram ligeiros acréscimos ou mesmo reduções, como aconteceu com a Europa. Além do aumento da área agrícola, a crescente procura de bens alimentares tem vindo a resultar, nos últimos anos, num incremento da utilização de adubos, pesticidas e no alargamento do cultivo para zonas marginais. Em consequência, vastas áreas florestais tem sido destruídas, aumentando a susceptibilidade à erosão hídrica ou eólica, bem como promovendo a contaminação dos solos com substâncias indesejáveis.
No caso dos fertilizantes – cujo excesso provoca degradação da qualidade da água e empobrecimento dos solos –, entre 1972 e 1988 registou-se um crescimento médio anual da quantidade utilizada em todo o Mundo da ordem dos 3,5%. A partir do início da década de 90 tem-se vindo a verificar uma relativa estabilização da quantidade de fertilizantes – que ronda anualmente mais de 4 milhões de toneladas – mas os problemas são, em muitos casos, cumulativos e irreversíveis. Para este aumento das contaminações muito têm contribuído incorrectas políticas agrícolas. Por exemplo, um estudo da FAO constatou que em 26 de um grupo de 38 países em vias de desenvolvimento atribuíam subsídios para o uso de fertilizantes, promovendo assim adubações excessivas sem reflexos no aumento da produtividade agrícola. Os pesticidas são também uma das causas para a degradação dos solos e águas, sobretudo do ponto de vista da redução da biodiversidade e da contaminação ambiental e dos alimentos.
Em muitos casos, continuam a subsistir aplicações ou armazenamento de pesticidas indesejáveis ou mesmo já banidos, como se verificou numa pesquisa efectuada em 1995 pela FAO. Nessa altura, esta entidade encontrou em 49 países cerca de um milhar de sítios onde se armazenavam mais de 16.500 toneladas de pesticidas perigosos A proliferação de zonas de regadio, com a consequente destruição de zonas húmidas naturais, é também um problema grave, sobretudo pela perda de biodiversidade e, em certa medida, pelo esbanjamento e contaminação da água. A área mundial de regadio aumentou mais de 50% nos últimos 30 anos, sobretudo na Ásia, que tem actualmente cerca de 180 milhões de hectares. A Europa – o segundo continente com mais área de regadio – possui “apenas” cerca de 30 milhões de hectares.
Por outro lado, problemas de gestão hidráulica e dos regadios fazem com que muitos perímetros de rega fiquem salinizados ou alcalinizados, diminuindo a produtividade ao fim de alguns anos. De acordo com estimativas da FAO, mais de 10% dos solos de regadio a nível mundial – que no total representam 255 milhões de hectares – estão severamente degradados devido à salinização. Outros 80 milhões de hectares estarão em vias de sofrer idêntico problema a médio prazo. Aliás, na década de 80 estima-se que cerca de 10 milhões de hectares de solos irrigados foram abandonados por se terem tornado improdutivos. Apesar disto, a agricultura não é a principal causa de degradação dos solos à escala mundial.
Com efeito, na génese da desertificação, a agricultura é ultrapassada pelo sobrepastoreio e deflorestação, estando à frente da sobre-exploração florestal e das actividades industriais e urbanas. Devido ao sobrepastoreio de gado estima-se que sofram de erosão cerca de 580 milhões de hectares de solos (35% do total), sendo um fenómeno generalizado no mundo, mas com uma dimensão mais recente na África – sobretudo na Mauritânia, Senegal e Sudão – e Ásia. Estima-se que cerca de 20% da área de pastagens a nível mundial estejam afectadas em elevado grau, tanto mais grave por se localizarem em zonas adjacentes aos desertos. A deflorestação é também um fenómeno grave que contribui para a desertificação.
Entre 1975 e 1990, mais de 220 milhões de hectares de floresta foram destruídos para a agricultura ou pastoreio, mas em condições pouco sustentáveis (ver capítulo sobre a floresta). Por seu lado, a sobre-exploração florestal, que atinge 137 milhões de hectares, é devida fundamentalmente à recolha e corte de árvores para combustível, sem quaisquer cuidados de gestão e renovação do coberto vegetal. A dimensão deste fenómeno é impressionante: estima-se que sejam cortados por ano cerca de 1,73 mil milhões de metros cúbicos de madeira em todo o Mundo, o que se justifica por os materiais lenhosos constituírem o principal recurso energético em muitas regiões subdesenvolvidas. Embora com menor destaque, a procura de terrenos para zonas urbanas e industriais também é uma forma de degradação dos solos, devido à perda de produtividade agrícola, quase sempre de forma irreversível.
Estima-se que se tenham já perdido quase 20 milhões de hectares de solos para ocupação de actividades humanas, como estradas, zonas residenciais e industriais, extracção de minérios, etc.. Em alguns países, a dimensão desta perda pode ser significativa. Por exemplo, no Japão a área agrícola reduziu-se de 5,8 para 4,9 milhões de hectares entre 1970 e 1999 por via da ocupação desses solos por zonas residenciais. As Nações Unidas estimam que 23% de todo o solo utilizável – excluindo desertos e montanhas, por exemplo – sofreram algum tipo de degradação que afectou a sua produtividade. No início dos anos 90 cerca de 910 milhões de hectares de solos estavam considerados como moderadamente degradados.
Cerca de 15% dos solos europeus estão nesta categoria de degradação. Nos restantes continentes, a percentagem rondava os 5-6%. Por outro lado, outros 305 milhões de hectares eram considerados como sofrendo de degradação forte ou extrema, destacando-se a América do Sul e do Norte com 7% e 6% dos seus solos nestas condições. De entre os 9 milhões de hectares apresentando degradação extrema, 55% situavam-se na África.
Em relação aos solos agrícolas, os principais factores que contribuem para a sua degradação à escala mundial são diversos, destacando-se a erosão hídrica (56%), a erosão eólica (28%), a degradação química (12%) e a degradação física (4%). Na África, a degradação tem vários factores humanos associados, mas também climáticos com o avanço dos desertos. Um estudo realizado no ano passado concluiu que 46% do território africano está em processo de desertificação e que 55% dessa área encontra-se numa situação de elevado a muito elevado risco, particularmente na zona do Magrebe e nos países sub-sarianos. Estima-se que cerca de 485 milhões de pessoas sofrem, directa ou indirectamente, com estes processos de degradação.
Na Ásia, a erosão hídrica é particularmente grave nos Himalaias, Ásia Central, China, Pacífico Sul e Austrália, enquanto que o Afeganistão, Índia, Irão e Paquistão sofrem sobretudo de erosão dos ventos. Na Europa, a degradação do solo é basicamente de origem hídrica, afectando de forma grave sobretudo os países mediterrânicos, a Moldóvia, Federação Russa e Ucrânia, em grande medida devido às intensas chuvas no período invernal, mais grave ainda se o solo estiver sem cobertura vegetal. No caso da América Latina, a erosão encabeça a lista de factores de degradação dos solos. Cerca de 14,3% do território da América do Sul e 26% da América Central sofrem de problemas graves de erosão, devido à intensificação agrícola. No caso da degradação química, os países asiáticos mais afectados pela salinização são a parte norte da Índia e o Bangladesh.
No Médio Oriente, além da predominância de desertos em alguns dos países, a salinização é um problema crescente, sobretudo nas zonas irrigadas. Por exemplo, estima-se que mais de 50% dos solos da bacia do Eufrates, na Siria e Iraque, estão extremamente afectados pela salinização. Na América Latina estima-se que 18,4 milhões de hectares de solos estejam salinizados, particularmente na Argentina, Brasil, México e Perú.
Em relação à perda de produtividade pela acidificação dos solos por sulfatos, os países mais atingidos são o Cambodja, Malásia, Tailândia e Vietname. Além destes problemas, vastas regiões da Austrália, Bangladesh, Nepal, Paquistão e Sri Lanka sofrem carências de nutrientes nos solos. A contaminação por metais pesados e substâncias persistentes, como as dioxinas, são também uma triste realidade em algumas zonas da Austrália, Nova Zelândia, Japão, República da Coreia, Mongólia e outros países do sul e sueste asiático.
Em muitas situações, a causa reside na ausência de tratamento de efluentes industriais que vão parar aos rios que servem de fonte de irrigação de culturas agrícolas. No entanto, este é um aspecto ainda pouco estudado à escala mundial e que depende da forma como são tratados os resíduos sólidos e os efluentes das indústrias. No caso da Europa, os problemas são particularmente graves no caso da contaminação dos aquíferos por nitratos e, em alguns casos, por pesticidas, podendo colocar em risco a potabilidade da água. No entanto, desde 1990 tem-se vindo a registar uma progressiva diminuição dos fertilizantes nos solos europeus.
Ao invés, na América Latina e Ásia têm-se estado a verificar um crescimento significativo: entre 1972 e 1997 o uso de fertilizantes químicos quase triplicou e duplicou, respectivamente, embora para níveis ainda bem abaixo dos da Europa. A América do Norte acaba por ser o continente onde o problema da desertificação é menor, estando mesmo a regredir, fruto de algumas medidas de rearborização e de engenharia. No período entre 1987 e 1997, os Estados Unidos conseguiram reduzir em um terço a erosão do solo. No entanto, a América do Norte é a região mundial com maior utilização de fertilizantes e pesticidas,
No primeiro caso, o consumo per capita de fertilizantes é mais do dobro superior ao da Europa e mais de 10 vezes superior ao de África. Em relação aos pesticidas, os dois países da América do Norte são responsáveis pelo uso de cerca de 36% do total mundial. Contudo, as maiores preocupações dos consumidores e os problemas ecológicos levaram a alterações profundas no tipo de pesticidas utilizados, sendo que alguns dos mais perigosos foram banidos e substituídos por outros de menor risco. Por outro lado, constatou-se que muitos pesticidas tinham perdido a eficácia devido ao excesso de aplicações. Com efeito, um recente relatório indica que mais de 500 insectos, 270 plantas invasoras e outras pestes agrícolas são agora resistentes a um ou mais pesticidas que eram há alguns anos atrás frequentemente utilizados.
Isso faz com que haja a necessidade de aumentar as doses e as aplicações para obter os mesmo efeitos que, por exemplo, há 30 anos atrás. Além destes problemas, os conflitos bélicos em diversas regiões do Mundo tornam, na prática, os solos inutilizáveis em muitas regiões, devido às minas enterradas. Estima-se que, por exemplo, na Bósnia cerca de 27% dos solos aráveis contêm minas de guerra activadas.
Solo - Situação em Portugal
Situado na bacia do Mediterrâneo, Portugal é um dos países europeus mais susceptíveis aos processos de desertificação física dos solos, integrando a lista mundial de 120 países com problemas neste âmbito.
Apesar do nosso país possuir apenas 10% de solos considerados férteis, a actual taxa de ocupação de culturas agrícolas atinge os 30%. Devido a essa sobre-exploração, cerca de 68% dos solos nacionais estão ameaçados pela erosão e 30% encontram-se em processo acelerado de desertificação, particularmente nas regiões do Alentejo, Algarve, Beira Interior e Trás-os-Montes.
Para esta situação têm contribuído práticas agrícolas inadequadas, como queimadas do restolho, lavouras em zonas declivosas e introdução de culturas em solos com baixa fertilidade. O empobrecimento dos solos – que, aliás, advém em parte das campanhas do trigo do Estado Novo – tem levado ao abandono progressivo de extensas áreas anteriormente cultivadas. Por outro lado, o incremento do regadio, sobretudo nas zonas do litoral, tem provocado a salinização dos solos, com particular destaque para o sudoeste alentejano e Algarve.
A agricultura – o maior consumidor de água em Portugal, com cerca de 80% do total – tem vindo também a provocar fortes impactes ambientais nos rios e nas águas subterrâneas, por via do consumo elevado de adubos e pesticidas. Neste âmbito, merece particular preocupação a contaminação de águas subterrâneas por nitratos e de rios por nitritos, sobretudo nos concelhos de Montemor-o-Velho, Lourinhã, Chamusca, Golegã, Salvaterra de Magos, Montijo e em algumas outras regiões agrícolas do Alentejo e Algarve. Um estudo do Instituto Superior de Agronomia (ISA) e Direcção-Geral do Ambiente (DGA) constatou que em 39% dos furos e poços das regiões abrangidas na monitorização apresentavam teores de nitratos superiores a 50 miligramas por litro – um valor superior aos teores admissível para consumo humano.
Nas zonas do litoral e de regadio intensivo também se começam a registar problemas de salinização, sobretudo na região de Aveiro, Baixo Mondego e Algarve. Os pesticidas são outro grave problema que afecta algumas regiões.As zonas agrícolas da Beira Litoral e Ribatejo são as que apresentam os mais elevados níveis de contaminação das águas subterrâneas. No âmbito do estudo do ISA e DGA verificou-se que 121 dos 157 furos e poços analisados estão poluídos por agroquímicos utilizados nas culturas do milho, tomate, vinha e pomóides, nomeadamente atrazina, simazina, metolacloro.
Os concelhos com situação mais preocupante – em que as concentrações individuais de pesticidas ultrapassavam os limites admissíveis na actual legislação sobre água potável – localizam-se no perímetro de rega do Baixo Mondego (Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz) e na lezíria ribatejana (Golegã, Almeirim, Salvaterra de Magos e Montijo).